Difamação Virtual

É surpreendente ouvir, a todo o momento, que os crimes praticados no mundo virtual necessitam de uma lei para regular as práticas ilegais. No entanto, não é exatamente assim. O simples envio de um e-mail para sua lista difamando uma determinada pessoa, o que é hoje um fato comum, pode ser enquadrado nas leis atuais com punições já regulamentadas.

A difamação e a calunia andam próximas. Veja o e-mail fictício abaixo, por exemplo:

De: Fulano de Tal Para: (undisclosed recipients) Assunto: Mariazinha

Amigos, vocês conhecem a Mariazinha, minha ex-namorada. Acreditem ou não, ela me traiu e ela, na verdade, é uma vagabunda que não vale nada. Meu amigo Carlos pegou-a na noite com outro entrando em um motel, aquela safada é uma cara de pau, sem vergonha e ainda teve a ousadia de falar que estava me no carro junto com seu irmão, me procurando!!! Todos nós sabemos que naquela família só tem gente desonesta e pilantra, eu não caí nessa.

E peço a todos vocês que repassem este e-mail para suas listas avisando a todos o tipo de mulher ordinária que ela e que sua família é conivente com tudo que ela faz.

Assinado: o namorado traído, Fulano de tal.

Ao analisarmos o e-mail acima, percebemos estar diante de uma ação de difamação contra “Mariazinha”. O código penal brasileiro, CPP, prevê, no Capitulo V, os crimes contra a honra, o que significaria dizer que, no e-mail exemplo acima, “Mariazinha” foi difamada e caluniada.

“Caluniar, ofender com calunias; difamar; fazer acusações falsas.”

“Difamar do Lat. “Diffamare”, tirar a boa fama ou o crédito de; caluniar; desacreditar publicamente;”

“Mariazinha”, portanto, teve sua honra ofendida.

Na definição de Victor Eduardo Gonçalves, honra “é o conjunto de atributos morais, físicos e intelectuais de uma pessoa, que a tornam merecedora de apreço no convívio social e que promovem a sua auto-estima”. É possível acrescentar, ainda, que o notório saber e a especialização, ou expertise, fazem parte da honra das pessoas, pois são qualidades que conquistamos exercendo papéis diferenciados dentro da sociedade.

O capitulo V do CPP é definido da seguinte forma:

CAPÍTULO V: DOS CRIMES CONTRA A HONRA

Calúnia

Art. 138 – Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:

Pena – detenção, de seis (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

§ 1º – Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.

§ 2º – É punível a calúnia contra os mortos. Exceção da verdade

§ 3º – Admite-se a prova da verdade, salvo:

I – se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível;

II – se o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas no nº I do art. 141;

III – se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível.

Difamação

Art. 139 – Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

Exceção da verdade

Parágrafo único – A exceção da verdade somente se admite se o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções.

Injúria

Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa.

§ 1º – O juiz pode deixar de aplicar a pena:

I – quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria; II – no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.

§ 2º – Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa, além da pena correspondente à violência.

Disposições comuns

Art. 141 – As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido:

I – contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro;

II – contra funcionário público, em razão de suas funções;

III – na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria.

Parágrafo único – Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa, aplica-se a pena em dobro.

Exclusão do crime

Art. 142 – Não constituem injúria ou difamação punível:

I – a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador;

II – a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar;

III – o conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou que preste no cumprimento de dever do ofício.

Parágrafo único – Nos casos dos ns. I e III, responde pela injúria ou pela difamação quem lhe dá publicidade.

Retratação

Art. 143 – O querelado que, antes da sentença, se retrata cabalmente da calúnia ou da difamação, fica isento de pena.

Art. 144 – Se, de referências, alusões ou frases, se infere calúnia, difamação ou injúria, quem se julga ofendido pode pedir explicações em juízo. Aquele que se recusa a dá-las ou, a critério do juiz, não as dá satisfatórias, responde pela ofensa.

Art. 145 – Nos crimes previstos neste Capítulo somente se procede mediante queixa, salvo quando, no caso do art. 140, § 2º, da violência resulta lesão corporal.

Parágrafo único – Procede-se mediante requisição do Ministro da Justiça, no caso do n.º I do

Art. 141, e mediante representação do ofendido, no caso do n.º II do mesmo artigo.

Uma vez esclarecidos os pontos que se encontram no CPP, passemos para os fatos e a realidade. “Mariazinha” foi caluniada, pois sua reputação é impecável perante a sociedade, sempre foi uma “boa moça” e não é conhecida por ninguém como, de acordo com o e-mail apresentado acima, “vagabunda”, “safada” ou ”fútil”. Ela é, ao contrário, considerada pela sociedade como um modelo de mulher correta e de bem.

A calunia ocorre bem próximo, ou em conjunto com, a difamação, pois a calunia desacredita alguém publicamente ao atingir sua honra com fatos que não correspondem com a verdade. A difamação se distingue da injúria, pois a primeira é a imputação à alguém de fato determinado, ofensivo à sua reputação – honra objetiva – , e se consuma quando um terceiro toma do fato; diferentemente da segunda, em que não se imputa fato, mas qualidade negativa, que ofende a dignidade ou o decoro de alguém – honra subjetiva -, além de se consumar com o simples conhecimento da vítima.

Abaixo encontra-se a descrição do que há em comum entre as três modalidades de crime contra a honra:

a) a possibilidade de pedido de explicações;

Ou seja, ficando a vítima em dúvida acerca de ter sido ou não ofendida, ou sobre qual o real significado do que contra ela foi dito, ela poderá fazer um requerimento ao juiz, que mandará notificar o autor da imputação a ser esclarecida. Com ou sem resposta, o juiz entregará os autos ao requerente, de maneira que, se após isso a vítima ingressar com queixa, o juiz analisará o recebimento ou rejeição da mesma, levando em consideração as explicações dadas.

b) o fato de, por regra geral, a ação penal ser privada, salvo casos nos quais ofensas são feitas contra a honra do Presidente da República ou chefe de governo estrangeiro, nesses casos, a ação penal será pública condicionada à requisição do Ministro da Justiça; contra funcionários públicos, sendo tal ofensa referente ao exercício de suas funções, a ação penal será pública condicionada à representação do ofendido; e, finalmente, em caso da injúria real resultar em lesão corporal, a ação penal será pública incondicionada.

Haja vista a facilidade do envio de e-mails hoje em dia, a incidência de tais crimes tem crescido diariamente. Faz-se necessário, portanto, saber diferenciá-los, para que, assim, evite-se confusão na hora da elaboração da queixa-crime e evite-se também as tão conhecidas queixas-crime genéricas, nas quais, mesmo a vítima tendo sido sujeitada à uma modalidade, os advogados, por falta de conhecimento e materialização legal das provas, rapidamente alegam que o indivíduo “foi vítima de calúnia, difamação e injúria”.

Conclusão

Ao usar palavras de baixo calão contra “Mariazinha”, que não condizem com sua conduta de vida, “Fulano de Tal”, autor do e-mail apresentado no começo desse artigo, não só cometeu o crime de calúnia, mas também, o crime de difamação, ao enviar a mensagem para sua lista de e-mails. Se seus amigos, ou destinatários da mensagem, não destruírem esta mensagem e ainda divulgarem o conteúdo da mesma, estarão praticando o crime de difamação.

O melhor a se fazer, ao perceber que você difamou alguém, é tratar diretamente com o ofendido, nas mesmas condições e nos mesmos meios, procurando reparar parte do erro.

Mas como constituir prova? Para isto existem os especialistas, que identificam a origem do e-mail e, com isto, geram prova legal exigida por este tipo de ação. Prova de crime no meio digital precisa ser produzida e mantida no próprio meio digital, caso seja impressa deixará de ser a prova em si, passando a ser uma cópia da prova. Impressão é considerada cópia, pois pode ser manipulada. Já no meio virtual, as provas estão em forma de bits e bytes que permitem seu rastreamento.

O que fazer quando me difamarem por e-mail?

Aonde ir?

Se você foi lesado por uma fraude via Internet, procure a delegacia que investiga crimes cometidos por meios eletrônicos da sua região e registre um boletim de ocorrência. O melhor é preservar o computador o máximo possível, ou seja, quanto menos usá-lo, mais fácil será a recuperação das informações.

Quem foi?

Se você não sabe quem o enganou, o caso deve ser registrado na delegacia de meios eletrônicos, que fará a investigação especializada. Se você conhece a identidade do autor, faça um boletim de ocorrência numa delegacia da área. É de conhecimento público o fato de que nossa polícia não tem quantidade de pessoal especializado, e, muito menos equipamentos adequados para se fazer, em tempo hábil, estas investigações. Uma solução para isto é pedir à um perito, durante o processo, que ele faça o levantamento legal necessário e que consiga passar para o juiz provas que demonstrem o crime.

Crimes contra a honra

Se você foi vítima de injúria, calúnia ou difamação via Internet, é necessário fazer a representação para que o caso possa ser levado a um tribunal. O ideal é que você tenha um advogado para cuidar do caso e que, caso o advogado não seja um especialista, que ele seja assessorado por um perito ou expert em computadores.

Fontes:

http://www.advogado.adv.br/artigos/2000/barroso/caldifaminjuria.htm; http://vedovelli.com.br/content.php?recid=66 http://www.patriciapeak.com.br www.brazil.gov.br Código Processo Penal Código Civil